A vida seria um erro, se não existisse a música(Nietzsche). A vida é um erro, mas a música atenua este erro(O Caveira)

Isso, abaixo, seria a vida após a morte?

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Augusto dos Anjos(poesias)

SOLITÁRIO




Como um fantasma que se refugia

Na solidão da natureza morta,

Por trás dos ermos túmulos, um dia,

Eu fui refugiar-me à tua porta!



Fazia frio e o frio que fazia

Não era esse que a carne nos contorta...

Cortava assim como em carniçaria

O aço das facas incisivas corta!



Mas tu não vieste ver minha Desgraça!

E eu saí, como quem tudo repele,

-- Velho caixão a carregar destroços --



Levando apenas na tumba carcaça

O pergaminho singular da pele

E o chocalho fatídico dos ossos!
x___________x
VERSOS ÍNTIMOS




Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!



Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.



Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.



Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija
x___________x
Soneto




Ao meu primeiro filho nascido

morto com 7 meses incompletos

2 fevereiro 1911.



Agregado infeliz de sangue e cal,

Fruto rubro de carne agonizante,

Filho da grande força fecundante

De minha brônzea trama neuronial



Que poder embriológico fatal

Destruiu, com a sinergia de um gigante,

A tua morfogênese de infante,

A minha morfogênese ancestral?!



Porção de minha plásmica substância,

Em que lugar irás passar a infância,

Tragicamente anônimo, a feder?!...



Ah! Possas tu dormir feto esquecido,

Panteisticamente dissolvido

Na noumenalidade do NÃO SER!
             x___________x
O meu nirvana




No alheamento da obscura forma humana,

De que, pensando, me desencarcero,

Foi que eu, num grito de emoção, sincero

Encontrei, afinal, o meu Nirvana!



Nessa manumissão schopenhauereana,

Onde a Vida do humano aspecto fero

Se desarraiga, eu, feito força, impero

Na imanência da Idéa Soberana!



Destruída a sensação que oriunda fora

Do tacto — ínfima antena aferidora

Destas tegumentárias mãos plebéas —



Gozo o prazer, que os anos não carcomem,

De haver trocado a minha forma de homem

Pela imortalidade das Idéas!

x__________x

Idealismo




Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!

O amor da Humanidade é uma mentira.

É. E é por isto que na minha lira

De amores fúteis poucas vezes falo.



O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!

Quando, se o amor que a Humanidade inspira

É o amor do sibarita e da hetaíra,

De Messalina e de Sardanapalo?!



Pois é mister que, para o amor sagrado,

O mundo fique imaterializado

— Alavanca desviada do seu fulcro —



E haja só amizade verdadeira

Duma caveira para outra caveira,

Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!
x__________x
 
SONETO




Canta teu riso esplêndido sonata,

E há, no teu riso de anjos encantados,

Como que um doce tilintar de prata

E a vibração de mil cristais quebrados.



Bendito o riso assim que se desata

- Citara suave dos apaixonados,

Sonorizando os sonhos já passados,

Cantando sempre em trínula volata!



Aurora ideal dos dias meus risonhos,

Quando, úmido de beijos em ressábios

Teu riso esponta, despertando sonhos...







Ah! Num delíquio de ventura louca,

Vai-se minh'alma toda nos teus beijos,

Ri-se o meu coração na tua boca!
 
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Todos os comentários serão respondidos.